quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O Jogo da Morte


Eles ousaram desafiar os nazistas. Não uma, mas duas vezes. Mesmo sabendo das possíveis e trágicas consequências que lhes acometeriam. Mas eles não estavam preocupados com repressões, afinal, era apenas um jogo de futebol e ele deveria ser tratado como tal. 

De virada, os ucranianos venceram os nazistas alemães por 5 a 3, fora o baile e mesmo com um árbitro da SS no comando, um time da mais alta artilharia da Alemanha do outro lado e a Gestapo à espreita. A vitória significou um alívio momentâneo ao clima combativo e de represálias vivido pelos ucranianos na época. Para os alemães, foi uma humilhação sem precedentes que deveria ser amenizada rapidamente. 

E foi. Tempo depois, alguns dos carrascos dos nazistas foram mortos, outros escaparam e a II Guerra Mundial quase liquidou a Ucrânia e seu povo. Porém, o feito do FC Start no dia 09 de agosto de 1942 permaneceu e resistiu ao tempo como resistiram os onze jogadores que entraram em campo naquela data e derrotaram os alemães. Tal façanha ganhou ares épicos graças as mais diversas histórias contadas pelos próprios protagonistas que escaparam com vida de um jogo que ficou conhecido como o “Jogo da Morte”. É hora de relembrar a partida mais sinistra da história do futebol.






Kiev, capital da Ucrânia, havia sido ocupada pelos nazistas em 19 de setembro de 1941, trazendo como consequência imediata a morte de 30 mil judeus e a interrupção total da liga nacional de futebol do país. 

Por causa dessa ocupação militar e a ausência de partidas, os jogadores dos times nacionais, em especial do Dynamo e do Lokomotiv, os mais fortes, tiveram que procurar emprego em diversas áreas e estabelecimentos. Alguns dos principais jogadores do Dynamo encontraram a solução na padaria estatal nº3, em Kiev, onde poderiam receber comida em troca do trabalho no local. Foi no dia-a-dia que os jogadores foram encorajados pelo administrador da padaria, o alemão Joseph Kordik, a formarem um time amador para que eles pudessem manter a forma, ganhar alimento extra e não perder o gosto pelo futebol. Tal time ganhou o nome de FC Start e foi composto por ex-jogadores do Dynamo, em sua maioria, três ex-jogadores do Lokomotiv, além de três policiais ucranianos e um engenheiro alemão.



Em junho de 1942, o FC Start começou a disputar partidas amistosas em uma espécie de liga e mostrou que seria o time a ser batido. Os ucranianos venceram o Rukh, treinados por Georgi Shvetsov, ex-futebolista e articulador da liga, por 7 a 2, e decidiram entrar de vez na competição com uniformes vermelhos encontrados por Trusevych e Putsin em um depósito abandonado. O FC Start não encontrou dificuldades para derrotar os times formados por guarnições invasoras e bateu húngaros (6 a 2), romenos (11 a 0), operários de uma estrada de ferro (9 a 1), PGS, de alemães (6 a 0), MSG.Wal, alemães (5 a 1 e 3 a 2) e Flakelf, alemães (5 a 1). 

A lenda começou exatamente após o duelo contra o Flakelf, time formado por militares da artilharia alemã. Indignados com a derrota e a já famosa invencibilidade dos “padeiros” de Kiev, eles exigiram uma revanche para o dia 9 de agosto, três dias após o triunfo ucraniano por 5 a 1. O jogo seria realizado no Zenit Stadium e seria acompanhado por centenas de milhares de pessoas e vários militares nazistas que deram ao ambiente de jogo um clima de tensão e intimidação.






O juiz seria um oficial da Waffen-SS, da Schutzssaffel, a temida tropa de elite de Hitler, que teria ido ao vestiário do FC Start alertar para que eles jogassem conforme as regras e fizessem a saudação nazista antes do apito inicial. Mas o que o tal oficial e todos os alemães não sabiam é que o Start iria levar à risca os ditos “jogar conforme as regras”. 

Com os times perfilados, os alemães do Flakelf fizeram a tradicional saudação nazista, mas os ucranianos permaneceram eretos, sem reação, no primeiro golpe aos soberbos nazistas. Quando a bola rolou, o juiz fez questão de tapar os olhos para o jogo duro dos alemães do Flakelf e deixou a partida seguir mesmo após o goleiro Trusevich ser chutado na cabeça e permitir que o Flakelf abrisse o placar. Mas o FC Start se enervou com o jogo viril dos rivais e partiu pra cima, empatando o jogo. O habilidoso Goncharenko entortou os alemães antes de marcar o segundo e, faltando pouco para o intervalo, os ucranianos fizeram o terceiro gol, fechando o placar em 3 a 1.

Na volta ao segundo tempo, os alemães marcaram dois gols, mas o Start fez mais dois e chegou aos 5 a 3. Reza a lenda que o zagueiro Klimenko, já no final do jogo, teria driblado toda a defesa alemã e, com a chance de marcar o sexto gol, chutou a bola para o meio de campo ou como forma de menosprezo ou para evitar um placar mais elástico. Após essa ação, o juiz encerrou o jogo antes mesmo dos 90 minutos e mais uma vitória do FC Start foi consolidada.



 Em 16 de agosto, na semana seguinte ao jogo contra os alemães, o Start derrotou o Rukh novamente, desta vez por 8 a 0. Foi sua última partida. Pouco tempo depois, todos os jogadores da equipe foram presos e torturados pela Gestapo, sob a alegação de que pertenceriam à NKVD. Um dos presos, Mykola Korotkykh, morreu sob tortura. O restante foi enviado ao campo de trabalho de Syrets, onde Ivan Kuzmenko, Oleksey Klimenko e o goleiro Mykola Trusevich foram executados em fevereiro de 1943. Entre os poucos sobreviventes após a guerra estavam Fedir Tyutchev, Mikhail Sviridovskiy e Makar Goncharenko, que se tornaram os responsáveis por propagar na cultura popular soviética a história de sua partida contra os nazistas.





Ficha do "Jogo da Morte":

Data: 09 de agosto de 1942

O que estava em jogo: a honra e a revanche, para os alemães. A manutenção da invencibilidade de seis jogos e a vida, para os ucranianos.

Local: Zenit Stadium, Kiev, Ucrânia.

Juiz: Um oficial da Waffen-SS

Público: cerca de 2500 pessoas (algumas fontes dizem que havia 45 mil pessoas, mas este é um número pouco cabível para a época e para as circunstâncias).

Os Times:
FC Start, formado por ex-jogadores do Dinamo Kyiv e do Lokomotiv Kyiv, entre eles: Georgy Timofeyev, Nikolai Trusevich, Ivan Kuzmenko, Pavel Komarov, Alexei Klimenko, Nikolai Korotkykh, Vasily Sukharev, Feodor Tyutchev, Makar Goncharenko, Mikhail Putistin e Milkhail Melnik, além de Mikhail Svyridovskiy e Vladimir Balakin.

Flakelf, time composto por soldados nazistas da Wehrmacht, as forças armadas da Alemanha durante o Terceiro Reich. Os nomes dos “jogadores” são desconhecidos.

Placar: FC Start 5×3 Flakelf (os alemães abriram o placar no primeiro tempo, mas o FC Start virou para 3 a 1. Na segunda etapa, os ucranianos consolidaram o placar em 5 a 3).



fonte: https://imortaisdofutebol.com/2014/11/24/jogos-eternos-especial-o-jogo-da-morte-1942/


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