segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Corra, Wright! Corra!


A vitória parcial do clube paraguaio Olímpia, 1 a 0 como visitante do Clube Desportivo Jorge Wilstermann da Bolívia, incendiou os torcedores que lotavam o Estádio Félix Capriles da cidade de Cochabamba naquela noite de 29 de março de 1979. O gol de Hugo Talavera, aos 15 minutos, praticamente eliminava a equipe “aviador”, embora só se haviam disputado duas rodadas, porque nesse tempo classificava apenas uma equipe por grupo para às semifinais. Precisando de um empate e superados tecnicamente por seu rival, os bolivianos começaram a se exceder no uso da força. 

O jogo se tornou muito violento e o espetáculo se assemelhava mais a um combate de boxe do que uma partida de futebol. Aos 11 minutos da segunda etapa, com o marcador 0-1, os protagonistas travaram uma batalha campal que só pode ser contida pela entrada das forças policiais em campo. Quando a calma foi recobrada, o árbitro brasileiro José Roberto Wright sacou de seu bolso o cartão vermelho para somente um jogador visitante, o atacante Enrique Atanasio Villalba, e a quatro homens do conjunto local: os defensores Carlos Arias, Miguel Bengolea e Raúl Navarro, e o atacante Juan Sánchez. Segundo a súmula, um dos expulsos do Wilstermann havia dado “uma voadora buscando o corpo de seu rival”. 

A punição desigual de Wright para a peleja “todos contra todos” enfurecia mais os espectadores, porém a hecatombe ocorreu alguns minutos depois quando favorecido pela inferioridade numérica de seu oponente, o Olímpia marcou seu segundo gol, feito por Evaristo Isas. Para evitar uma goleada, o técnico local, Roberto Pavisic, ordenou que um dos seus homens “se lesionara” e deixara a sua equipe com seis integrantes. Como não podia mais fazer substituições, Wright se viu obrigado a apitar o final da partida vinte minutos antes porque o clube boliviano não contava com o número mínimo de sete futebolistas exigido pelo regulamento. 



Time do Olímpia, campeão da Copa Libertadores de 1979.


Só que a história não terminou ali. 

Centenas de torcedores revoltados invadiram o gramado e começaram a correr atrás dos jogadores do Olímpia e, principalmente, do árbitro, para saciar sua sede de vingança pelo que consideravam uma tremenda injustiça. A polícia pouco pode fazer para conter tanta gente. Vários jogadores do Olímpia receberam socos e chutes. Acompanhados por alguns agentes, os paraguaios escaparam da turba e se refugiaram no vestiário. Wright e seus assistentes conseguiram escapar, mas permaneceram várias horas reclusos dentro do seu vestiário, pois o estádio havia sido cercado por centenas de torcedores indignados. Segundo revelou muitos anos depois o meio-campista local Jhonny Villarroel durante uma entrevista, Wright só pode sair do estádio disfarçado de mulher. O brasileiro e seus colaboradores foram levados para a cidade de Oruro, mais de duzentos quilômetros de Cochabamba, porque tinham torcedores esperando o árbitro no aeroporto. 

Como consequência aos graves incidentes, o Estádio Félix Capriles foi suspenso por um bom tempo pela Conmebol, assim como os cinco expulsos. O clube Jorge Wilstermann disputou as partidas que faltavam como local em Santa Cruz de la Sierra e La Paz. Perdeu, igual para quando atuou como visitante. A equipe do Olímpia, no entanto, seguiu adiante: ganhou o grupo, as semifinais e a final, levantou a Copa Libetadores destronando o bicampeão Boca Juniors. Wright, no entanto, protagonizaria outra noite sinistra no torneio continental, dois anos mais tarde.


Texto adaptado de "Histórias Insólitas de la Copa Libertadores", de Luciano Wernicke, Editora Planeta, 2015.



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