terça-feira, 11 de maio de 2021

Avanços no futebol feminino uruguaio e as condições necessárias para seu desenvolvimento

  Por Fiorella Rodríguez [Jornalista Uruguaia]







25 anos de trajetória

O futebol feminino uruguaio cresceu exponencialmente desde que foi formalizado em 1996, quando foi disputado o primeiro torneio da Associação Uruguaia de Futebol (AUF). O aumento do número de meninas, adolescentes e mulheres que praticam esse esporte, historicamente masculinizado, está diretamente ligado à luta social pela equidade de gênero.

Um dos fatos definidores dessa tendência crescente foi um movimento, instituído pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) em 2018, que condicionou a participação de clubes sul-americanos masculinos em torneios internacionais somente aqueles com equipes femininas em seus quadros de modalidades esportivas. Imediatamente as instituições que não tinham essa categoria tomaram medidas para formar seus times, o que levou à ascensão das equipes uruguaias femininas.

Dificuldades

Com a formação das equipes, mais necessidades apareceram e as demandas em todos os aspectos se tornaram mais visíveis, que são comuns no campo amador. Em linhas gerais, é a falta de espaços físicos para treinar, a ausência de meios de subsistência econômicos para conseguir roupas / equipamentos esportivos ou pagar os custos de transporte. Ainda há equipes que não pagam os salários de treinadores e preparadores físicos, que dependem de trabalho voluntário e contam com sua comissão técnica incompleta.

Essa precariedade e a ausência de condições básicas para a sobrevivência das atletas teve como resultado a interrupção de projetos no meio do caminho. Um exemplo é do clube Miramar Misiones, que formou sua equipe em 2017 e em 2019 pararam de competir por falta de recursos. Mas também é uma realidade que essa categoria está cada vez mais interessada e, em alguns casos, os departamentos de futebol feminino são reativados nas equipes. Um exemplo são os Wanderers; lideradas por um grupo de amigas que treinavam nas proximidades do estádio Centenário e participavam de competições amadoras por falta de recursos. Em agosto do ano passado, duas torcedoras formaram uma comissão de futebol feminino e apresentaram um novo projeto à gestão esportiva, que apoiou e incentivou o ressurgimento. Elas também tiveram a iniciativa de formar uma comissão técnica de nível. A treinadora Fabiana Manzolillo deixou o Defensor Sporting e passou a trabalhar no clube boêmio, com o qual assinou o primeiro contrato profissional de sua carreira. A mais experiente diretora técnica do futebol feminino uruguaio começou em 1997 como jogadora e iniciou sua trajetória como treinadora em 2003. Dezoito anos depois, assinou o primeiro contrato profissional na Segunda Divisão.

"Sinto como um reconhecimento do meu trabalho, uma alegria e satisfação de tê-lo alcançado. Eu vinha fazendo contratos de palavras, exceto no Defensor S.C., onde recebia um salário como funcionária do clube, mas não tinha contrato formal com um prazo estabelecido. Isso tem que ser contagioso, tem que acontecer para todos os treinadores que estão trabalhando nos clubes. Fico feliz com o reconhecimento da minha trajetória. Isso é "perseverar e você triunfará". Agora temos que ampliar para as jogadoras”, mas ser considerada uma trabalhadora formal em um clube é extremamente importante" disse Fabiana Manzolillo à reportagem. 

Desempenhar todos os papéis

Das nove equipes que compõem a Primeira Divisão, apenas no Liverpool a treinadora é uma mulher: Graciela Rebollo. Na Segunda Divisão há apenas diretoras técnicas na Udelar e no Wanderers. Essa situação não é consequência da falta de treinadoras no país: há várias graduadas da Associação Uruguaia de Treinadores de Futebol, e em agosto do ano passado, 14 obtiveram a licença Pro, o que lhes permite dirigir até mesmo no futebol profissional masculino. Algo semelhante acontece com os árbitros. Claudia Umpiérrez é a única que dirigiu partidas de futebol masculino.

Cada vez mais perto

Com a intenção de profissionalizar a categoria, em fevereiro de 2020 as primeiras jogadoras foram inscritas na AUF: nove jogadoras do Nacional assinaram contrato. Embora isso não seja uma profissionalização real, pois as atletas recebem entre 4.000 e 8.000 pesos uruguaios por mês (valor bem abaixo do salário mínimo no país), elas conquistaram o vínculo trabalhista na instituição. Mas a profissionalização não implica apenas o vínculo empregatício; em 2019, os clássicos do futebol feminino foram disputados no Grande Central Park (estádio do Nacional) e no Campeón del Siglo (estádio do Peñarol) e as atletas pisaram no gramado de suas instituições pela primeira vez.

No Peñarol – que pela primeira vez tem uma mulher que ocupa o cargo de vice-presidente – em março deste ano foi realizado um Conselho de Administração composto inteiramente por mulheres. Foi um fato histórico a partir do qual surgiu a criação da Comissão de Gênero, com o objetivo de incentivar a participação de jogadoras de futebol, torcedoras, funcionárias e dirigentes. A partir dessa área também queremos promover a profissionalização do futebol feminino. "É um absurdo que as jogadoras não tenham vínculo empregatício com o clube, não há responsabilidade formal do clube com elas. Isso tem que ser mudado", disse Patrícia López, vice-presidente do Peñarol.

Defensor Sporting Club foi pioneiro na criação da Comissão de Gênero, que atua desde o ano passado e está aberta a todos os sócios e sócias que desejam contribuir. Outro clube da capital, Danúbio, aderiu a essa iniciativa e, em 8 de março de 2021, criou sua própria comissão, com o objetivo de trazer todo o clube para trabalhar com uma perspectiva de gênero. Danúbio é o segundo time com mais categorias para meninas e adolescentes. No final de 2020, ela foi uma das três equipes vencedoras do concurso da Conmebol, o "Football with Women's F", um programa para impulsionar o crescimento de equipes femininas, do qual elas levaram US $10.000 mais seis meses de assessoria direcionada para fortalecer seu projeto.

O Liverpool é o time que, pelo quarto ano consecutivo, tem todas as categorias. Das crianças à profissional (adulta), mais de 120 atletas usam a camisa do clube do bairro de Belvedere. Nas comissões técnicas há sete mulheres trabalhando, entre diretoras técnicas e professoras, cinco das quais possuem vínculo empregatício com a instituição.

Em todo o mundo

O progresso é acompanhado pelo que está acontecendo globalmente. Ao final da Libertadores de 2020, Lindsay Camila, técnica da Ferroviária (Brasil), tornou-se a primeira treinadora a conquistar a Copa Libertadores. Na final elas enfrentaram o América de Cali (Colômbia).

Sabemos que as lacunas continuam existindo e a diferença de gênero neste esporte é perceptível, mas à medida que o tempo passa, espaços - onde historicamente houve relutância em ser de todas e todos - são conquistados. Estamos cada vez mais perto de ver uma mulher na arbitragem, diretora técnica, dirigente de clube ou qualquer papel, tanto no futebol feminino quanto no masculino, sem chamar nossa atenção.

★Tradução: Alexandre Vizzotto
*Publicado originalmente na seção 'Garra' do periódico 'La Diaria' [Montevideo - Uruguay] em 28 de abril de 2021.
- Título original [em espanhol] : 'Una ola que no para de crecer: sobre los avances en el fútbol femenino local y las condiciones necesarias para un mayor desarrollo'


terça-feira, 27 de abril de 2021

Com o fim da Super Liga Européia, O BEM VENCEU?

 

Por Guilherme Mathias




Não, não venceu, posso finalizar o texto por aqui.

O embrião da Super Liga nasce do próprio poder financeiro que os clubes ganharam também impulsionados pelo método que a UEFA trata seus torneios.

A passagem de monopólio foi barrada entretanto o desenvolvimento do futebol europeu fora do grande eixo não acompanha o desenvolvimento do ‘’eixo principal’’ importante salientar que esse desequilíbrio foi constatado pelo Arsene Wenger(ex técnico do Arsenal) que em 2009 falou: “As ligas nacionais vão sobreviver, mas talvez em 10 anos, você terá uma liga europeia. Não estou 100% certo de estar certo, mas sinto que dentro do nosso jogo há algumas vozes nos bastidores para fazer algo a respeito, especialmente se as regras se tornarem muito restritivas para esses clubes.’’

É ÓBVIO que um torneio que trava a competitividade, estipulando um grupo seleto é prejudicial como um todo, entretanto a vitória é apenas da continuidade e não do desenvolvimento. 

O que foi salientado por Florentino Perez é verdade, como um todo os jovens perdem interesse no futebol, a variedade de entretenimento nos dias atuais, até mesmo pelos E-Sports ofuscam o jogo que passa a ser desinteressante tanto lá quanto cá, entretanto quando o mesmo diz que o futebol está com problemas, ele se refere aos problemas financeiros do Real Madrid e não ao futebol como um todo. Por aqui o impacto fenômeno é o de criação de torcidas para clubes europeus, eu mesmo que escrevo isso aqui, acompanho um e comecei a gostar de futebol por causa de um e já estou na casa dos 30 anos, é muito cristalino que o impacto disso nas gerações posteriores que a minha seria grandes.

Se o nosso futebol não é interessante, o dos grandes clubes europeus será e os mais jovens vão ter contato com esses clubes diariamente, seja em jogos de videogame, quanto nas redes sociais, é uma concorrência desleal e previsível.

Provavelmente todos nós que reclamamos da criação dessa liga, veríamos a mesma, vibraríamos com a mesma, infelizmente se realmente os clubes batessem o pé o campeonato se estabeleceria. Se era bait, se era apenas para pressionar a UEFA, saberemos no futuro, no momento a vitória é da mesmice e não do futebol.




terça-feira, 6 de abril de 2021

Líber Arispe: Adeus ao operário da bola

 Aos 75 anos e após ter lutado por vários dias contra o coronavírus, na última quinta-feira faleceu Líber Arispe, um dos jogadores que foi protagonista da façanha do Defensor Sporting em 1976 - campeão uruguaio - interrompendo a hegemonia de Peñarol e Nacional na Era Profissional. Lateral de boa técnica e com chegada na área adversária, Arispe foi um dos heróis da memorável façanha violeta, deixou sua marca como jogador e depois se tornou treinador com uma carreira destacada. 

Ele foi o técnico de um histórico Central Español que se sagrou campeão uruguaio em 1984, após subir da segunda divisão em uma campanha inesquecível para os moradores do bairro de Palermo. Como jogador de futebol, Arispe começou na equipe do Colón e depois foi transferido ao Defensor Sporting em sua primeira passagem pelo clube. Suas boas atuações rendeu uma negociação com o Independiente de Avellaneda (Argentina), na época, atual campeão da Libertadores em 1973. Após uma temporada na equipe argentina, regressou ao Uruguai, primeiro para jogar por Nacional e Cerro, até finalmente voltar à instituição do Parque Rodó e vestir novamente a camisa violeta do Defensor na conquista do histórico título de 1976, isso no período mais sombrio da história uruguaia, em plena ditadura militar. 


Arispe foi um trabalhador / pensador da bola. Tinha suas convicções, não abria mão da solidariedade e de ideias progressistas. Também dirigiu o Rentistas e Villa Española. Em 1996 e 1997 foi treinador do Logroñés, quando a equipe jogou a primeira divisão do futebol espanhol. 

Agora Líber Arispe vive na memória daqueles que acreditam em um futebol que seja expressão de valores compartilhados em sociedade, como a humildade, a dignidade, a justiça e a solidariedade. 

 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Marta 1 x 0 Bolsonaro



por Mariana Dias

A prova do ENEM realizada nesse último fim de semana trouxe, dentre outras coisas, uma discussão bastante conhecida, mas que poucos levam a sério: a diferença salarial entre Marta e Neymar. A questão apontou, em números, quanto vale o gol de cada um, deixando para os candidatos interpretarem que o esporte ainda é caracterizado pela identidade masculina no Brasil, fato já conhecido por muitos.

A presença dessa discussão em exames nacionais é bastante relevante. É falando sobre os preconceitos e apontando problemas que as mudanças podem, de fato, acontecer. Ironicamente, no entanto, Bolsonaro não gostou da iniciativa e julgou a questão como “ridícula”, dizendo que o “futebol feminino ainda não é realidade no Brasil”. A fala do presidente, apesar de equivocada e extremamente simplista, não é nem um pouco surpreendente.

Como esperar uma reação diferente de alguém que enxerga mulher como sinônimo de “fraquejada”? Que prega a manutenção de um sistema de submissão feminina? Marta, no entanto, é prova de que mulheres estão longe de serem fracas e inferiores. Seis vezes eleita a melhor jogadora do mundo, Marta é também a maior artilheira da seleção brasileira (entre homens e mulheres) e a maior goleadora em Copas do Mundo (também entre homens e mulheres, com 17 gols - um a mais que o alemão Klose, a quem é, muitas vezes, dado o título de maior goleador em Copas). Marta representa tudo o que todo jogador de futebol quer ser, e ainda assim recebe milhões a menos, o que mostra que a questão do ENEM está longe de ser ridícula.

Mas será que o futebol feminino realmente não é realidade no Brasil? É claro que há diferenças de investimento, patrocínio, torcida e salários - tudo isso muito graças à história da modalidade, que foi proibida no Brasil por 4 décadas. Mas mesmo com tantas dificuldades, a seleção do país já venceu a Copa América 7 vezes, levou 3 ouros no Pan e 2 pratas nas Olimpíadas. Também foi no Brasil que o recorde de audiência na decisão da Copa do Mundo feminina de 2019 foi batido, superando os Estados Unidos, país que tradicionalmente investe e apoia o futebol feminino. Dá pra imaginar como seriam os recordes e os títulos brasileiros caso a equidade no esporte fosse atingida? 

Em meio a isso tudo, quem não deixou de se pronunciar sobre a infeliz opinião do presidente foi a Marta, que mesmo sem citar nomes, deixou um recado importante: “Uns serão lembrados como os melhores da história, já outros…”. Marta está eternizada como a melhor jogadora do mundo por, pelo menos, muito tempo. Bolsonaro, por sua vez, é o melhor pior presidente que o Brasil poderia eleger.