Não é novidade perceber o quanto é perigoso tratar o futebol como entretenimento.
Digo perigoso no sentido, inclusive, de isolar esse esporte de seu vínculo com
a vida em sociedade e, por consequência, jogar a sujeira pra debaixo do tapete.
A imprensa esportiva, mais precisamente a televisiva, tem sido negligente e
irresponsável ao tentar ignorar um tema tão sério – a condenação de um jogador
por um crime gravíssimo. Dissimular e evitar assuntos indigestos, para o mundo
dos negócios, parece ser a tônica de determinados veículos de comunicação.
Na obra
do filósofo alemão Immanuel Kant (1724 – 1804) encontra-se o fundamento do conceito
de justiça que orientou diversos pensadores nos últimos séculos. Conceito que
contém princípios universais de justiça: entre eles, a igualdade de direitos
humanos e o respeito pela dignidade dos seres humanos como indivíduos. Tendo
isso como pressuposto racional para a leitura da realidade, é visível, no alto
escalão do jornalismo esportivo, o menosprezo pela ética, entendida como
reflexão sobre as noções e princípios que fundamentam determinada moralidade. Com
algumas exceções na grande imprensa, ao assistir e analisar programas de
notícias e debates dos canais Sportv e Fox Sports nos últimos dias verifica-se que
de maneira repetitiva, quase “hipnótica”, esses programas tratam exaustivamente
das movimentações do mercado (contratações) para o início da temporada.
Causa
profundo espanto que diversos jornalistas tratem como normal a especulação do
interesse do clube x ou y no atacante Robinho. Esses profissionais
enaltecem as qualidades técnicas do jogador, mas consideram que a idade e o
salário milionário do mesmo pode ser um entrave na contratação. Daí, pasmem,
entra como uma espécie de nota de rodapé o fato de o jogador ter sido condenado
por um crime em território italiano. Em um programa de debates do canal Fox
Sports, apenas o jornalista Flávio Gomes foi enfático na crítica aos clubes que
demonstram interesse na contratação de alguém envolvido em um ato de barbárie.
A
banalidade do mal, expressão usada pela filósofa Hannah Arendt, encontra-se
aqui no fato de tratar como normal o interesse no talento de determinado
profissional, sem levar em consideração sua ação no mundo. Quando o assunto é
futebol “mainstream”, evita-se questionar o quanto essa cultura patriarcal e
machista é nociva para o esporte e a vida em sociedade. As celebridades do
futebol, potencializadas pelo poder econômico, são protegidas sob as asas do
paternalismo, tem sempre um assessor de imprensa ou um agente que fala por
eles, tomam decisões e, sendo assim, não precisam se responsabilizar pelas
atitudes do dia-a-dia.
Como foi
amplamente divulgado, em novembro do ano passado (2017), o atacante brasileiro
Robinho, atualmente sem clube, foi condenado pela 9ª seção da corte de Milão a
nove anos de prisão pelo estupro coletivo de uma jovem albanesa cometido no
início de 2013 em uma casa noturna da cidade de Milão. Na época, ele era
jogador do Milan. De acordo com a sentença, o abuso sexual foi cometido por ele
e outros cinco brasileiros.
É
inaceitável que grande parte do jornalismo esportivo não trate com seriedade e
respeito um tema tão delicado, que envolveu um episódio violento e extremamente
traumático na vida de uma mulher. O sofrimento dela está sendo ignorado por
pessoas que, pela profissão, deveriam priorizar a investigação e a honestidade
na divulgação de informações que interessam a sociedade.
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