quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A banalidade do mal na imprensa esportiva

   
Não é novidade perceber o quanto é perigoso tratar o futebol como entretenimento. Digo perigoso no sentido, inclusive, de isolar esse esporte de seu vínculo com a vida em sociedade e, por consequência, jogar a sujeira pra debaixo do tapete. A imprensa esportiva, mais precisamente a televisiva, tem sido negligente e irresponsável ao tentar ignorar um tema tão sério – a condenação de um jogador por um crime gravíssimo. Dissimular e evitar assuntos indigestos, para o mundo dos negócios, parece ser a tônica de determinados veículos de comunicação.

Na obra do filósofo alemão Immanuel Kant (1724 – 1804) encontra-se o fundamento do conceito de justiça que orientou diversos pensadores nos últimos séculos. Conceito que contém princípios universais de justiça: entre eles, a igualdade de direitos humanos e o respeito pela dignidade dos seres humanos como indivíduos. Tendo isso como pressuposto racional para a leitura da realidade, é visível, no alto escalão do jornalismo esportivo, o menosprezo pela ética, entendida como reflexão sobre as noções e princípios que fundamentam determinada moralidade. Com algumas exceções na grande imprensa, ao assistir e analisar programas de notícias e debates dos canais Sportv e Fox Sports nos últimos dias verifica-se que de maneira repetitiva, quase “hipnótica”, esses programas tratam exaustivamente das movimentações do mercado (contratações) para o início da temporada.

Causa profundo espanto que diversos jornalistas tratem como normal a especulação do interesse do clube x ou y no atacante Robinho. Esses profissionais enaltecem as qualidades técnicas do jogador, mas consideram que a idade e o salário milionário do mesmo pode ser um entrave na contratação. Daí, pasmem, entra como uma espécie de nota de rodapé o fato de o jogador ter sido condenado por um crime em território italiano. Em um programa de debates do canal Fox Sports, apenas o jornalista Flávio Gomes foi enfático na crítica aos clubes que demonstram interesse na contratação de alguém envolvido em um ato de barbárie.

A banalidade do mal, expressão usada pela filósofa Hannah Arendt, encontra-se aqui no fato de tratar como normal o interesse no talento de determinado profissional, sem levar em consideração sua ação no mundo. Quando o assunto é futebol “mainstream”, evita-se questionar o quanto essa cultura patriarcal e machista é nociva para o esporte e a vida em sociedade. As celebridades do futebol, potencializadas pelo poder econômico, são protegidas sob as asas do paternalismo, tem sempre um assessor de imprensa ou um agente que fala por eles, tomam decisões e, sendo assim, não precisam se responsabilizar pelas atitudes do dia-a-dia.

Como foi amplamente divulgado, em novembro do ano passado (2017), o atacante brasileiro Robinho, atualmente sem clube, foi condenado pela 9ª seção da corte de Milão a nove anos de prisão pelo estupro coletivo de uma jovem albanesa cometido no início de 2013 em uma casa noturna da cidade de Milão. Na época, ele era jogador do Milan. De acordo com a sentença, o abuso sexual foi cometido por ele e outros cinco brasileiros.

É inaceitável que grande parte do jornalismo esportivo não trate com seriedade e respeito um tema tão delicado, que envolveu um episódio violento e extremamente traumático na vida de uma mulher. O sofrimento dela está sendo ignorado por pessoas que, pela profissão, deveriam priorizar a investigação e a honestidade na divulgação de informações que interessam a sociedade.



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